sábado, 23 de agosto de 2014

El Sol es el Poncho de los Pobres

Pois é, cá continuamos por "Tierras Orientales". Já sem escrever desde Março, a rotina diária tem-nos absorvido. Muito trabalho, muito treino, muita escalada, alguma faculdade (para mim e para o Bob, pois agora orienta os estágios do último ano da Licenciatura de Educação Física) e infelizmente em pleno Inverno :(

Embora os nossos dias por cá estejam cada vez mais contados, vamos encontrando novos lugares e novas tradições que já deixam um gostinho a saudade. Saudade deste país perdido no meio dos grandes sul americanos. Hoje estou-vos a escrever de uma cafezinho que encontramos, daquele tipo que andávamos à procura desde que cá chegamos: tranquilo, simpático, com luz natural, net e onde nos deixam trabalhar uma tarde inteira com o pc, degustando de vez em quando alguma coisa quentinha e doce.


O trabalho tem corrido bem, trabalhar com idosos tem sido bastante enriquecedor em todos os sentidos. Certamente as crianças ensinam-nos muita coisa. A sabedoria que provém da ingenuidade e daqueles que ainda não foram formatados pela sociedade é ouro. Mas por outro lado, aqueles que no final da vida conseguem encontrar paz é das coisas mais lindas que pude apreciar nos últimos tempos. Obviamente é um grande preconceito que todos os "velhinhos" são sábios, assim como é bem verdade que muitos não encontram paz nas suas vidas, nem nesta etapa final. Com um ano e meio de trabalho já acompanhei pessoas muito diferentes, histórias de vida distintas, lindas, complicadas e também já perdi oito pacientes.

O tema da velhice continua a ser um tabu hoje em dia. Trabalhar nesta área tem-me aberto a mente e tranquilizado bastante, apesar de todo o sofrimento que vejo todos os dias. A dor, a doença, a dependência, o desconforto, a solidão, são o pão de cada dia especialmente trabalhando em lares e não em centros de dia ou hospitais em que as pessoas assistem em ambulatório. Mas também existem aqueles que ao terem aproveitado, vivido realmente a vida, conseguem aceitar que há uma etapa diferente em cada fase de vida, e que esta última também é muito especial.

Um dia cheguei ao trabalho e deparei-me com uma situação que para mim me pareceu tão triste: uma senhora estava sentada na sua cadeira de rodas, em frente a uma mesa cheia de fotos antigas e com uma saco de plástico e uma tesoura. Contou-me que estava a cortar as suas fotos e a deitá-las para o lixo e eu (que, ainda hoje, adoro imprimir as fotos e manter o meu álbum atualizado cheio de datas e observações sobre os lugares e as pessoas) sentei-me ao lado dela tentando perceber como ela estava, e disfarçando a minha tristeza. Para minha surpresa ela estava naturalmente nostálgica, com fotos do seu casamento na mão, mas com um ar perfeitamente normal disse-me que como as recordações ninguém lhas pode tirar da sua mente, estava a destruir as coisas materiais, pois não têm o mesmo sentido para os seus filhos como têm para ela. Desta forma, preferia libertar os filhos dessa tarefa e estava a desfazer-se daquilo que podia estar a mais na sua casa. Note-se que a mesma senhora já chorou bastantes vezes comigo, com saudades da sua casa e das suas coisas, principalmente da cozinha, pois era cozinheira, mas ainda assim, demonstrou uma capacidade extraordinária de maturidade ao facilitar a vida aos filhos, tratando ela mesma de se ir desfazendo em vida dos seus bens materiais. Tenho outro paciente com mais de 90 anos, que é como o meu atualizador semanal de notícias importantes do mundo e do Uruguai, pois quando chego e antes de começar a sessão, conta-me sobre tudo o que leu nos jornais dos últimos dias. É o mesmo senhor que teve uma vida de marinheiro e que sempre que o sol espreita, me pede se podemos fazer a sessão lá fora. Ás vezes está bastante frio, mas ele agasalha-se e diz que "el Sol es el poncho de los pobres" e lá vamos nós caminhar ao sol, aproveitando as pequenas coisas que a vida nos traz e que no final da vida são aquelas que nos poderão dar alguma qualidade de vida.

Tenho-me apercebido que aqueles que mantêm o sentido de humor, o interesse pelas coisas, a preocupação pelos outros e o gosto por fazer coisas diferentes conseguem alcançar isto a que lhe chamo paz interior.



Saludos y besos!