13
de Janeiro
Enquanto tomávamos o pequeno almoço, os olhares em direcção às
torres e os comentários que fazíamos não deixavam margem para
dúvidas, o dia anterior tinha deixado as suas marcas. Marcas
felizes, boas, que tão depressa não se apagarão.
Meio a dormir, a ajustar as alças das mochilas e a tentar convencer
o corpo que andar aquelas horas era uma boa ideia, lá estávamos nós
a dar os primeiros passos. Ainda nem tínhamos chegado à primeira
placa informativa e já estávamos de boca aberta, estupefactos, a
tentar absorver a beleza dos tons matinais que a paisagem nos
oferecia e a tranquilidade com que uma raposa passeava à nossa
frente.
Assim começou este dia.
Os primeiros 15 minutos foram feitos à medida, para poder ir
despertando os sentidos. Um passeio tranquilo por um trilho plano,
com alguns toques especiais a despertar interesse (como a primeira
ponte do dia). Passados esses primeiros minutos começava a subida.
Nada do outro mundo, mas a questão é saber ir com calma, passar a
mensagem ao cérebro que “devagar se vai ao longe” e que somos
capazes. Não deixar que seja uma parte do nosso cérebro a dizer-nos
a nós que é demasiado difícil, que se já me está a custar então
nunca vou conseguir...etc.
Com estes diálogos “razão” vs “emoção” a acontecerem
dentro de cada um, lá seguimos caminho encosta acima.
Um dos pormenores engraçados que tem este caminho é que ao longo do
percurso as torres vão aparecendo e desaparecendo, consoante a zona
onde se está. Como disse no princípio, das tendas tínhamos visto o
topo das torres, agora em toda esta primeira parte do percurso não íamos deitar olhos nas torres até chegar à primeira “zona de
paragem”, mais ou menos 2 horas depois de arrancar.
Mesmo
antes de chegar a esta merecida zona de descanso, uma das partes mais
bonitas do percurso:
uma ponte de madeira sobre o rio, bem na base do vale e com as torres
a espreitarem lá ao fundo. Sorrisos
abertos para a foto, uns metros de conversa sobre o percurso e por
fim, uma pausa de contemplação! Ou seja, uma paragem estratégica
para apreciar a paisagem, tomar um cházinho, comer uma peça de
fruta e uma bolachas, rever como estamos de água, ir à casa de
banho e preparar-nos para a próxima parte do percurso.
Arrancámos ainda mais animados (o que fazem 15 minutos de conversa e
papinha!) seguindo por um sector mais arborizado, com algumas subidas
e descidas, mas que no seu total, não tinha grande inclinação. Tal
como na primeira parte do caminho, acabámos por dividir-nos em dois
grupos, para que cada um seguisse a seu ritmo, sem interferir no
ritmo dos outros. Meninos mais à frente, meninas mais atrás.
Até
aqui tudo normal. Resulta que antes de chegar às torres, há mais um
ponto de paragem (outro parque de campismo) a 100m do caminho
principal. Ora, os meninos, sabendo da necessidade constante do sexo
feminino por
casas de banho,
resolveram esperar pelas meninas nesse mesmo ponte de paragem.
Esperaram...esperaram...esperaram...e as meninas não apareceram.
Depois de ter voltado para o desvio do caminho (estava à chapa do
sol) que dava para o parque de campismo e de perguntar a várias
pessoas que passavam se tinham visto as tais membras femininas da
comitiva (recebendo sempre a mesma resposta: “não, não passamos
por elas”) só havia uma resposta possível: a única vez que
deviam ter ido à casa de banho em toda a viagem...tinham decidido
seguir! Qual “que estranho eles terem arrancado sem nós” ou
“será que eles não pararam no parque, à sombra, à nossa
espera?”, não...nada de perguntas destas, só continuar caminho,
sem avisar ninguém! Que bonito!
Bem, lá seguimos encosta acima. Agora sim era a doer. Não era
suave, nem gradual, nem nada que se pareça. Era bruto, seco, ao sol
e sempre a subir! Ao melhor estilo patagónico: “queres mesmo?
Então esforça-te!”.
O
último pedaço da subida parece tirado de um qualquer filme de um
planeta distante, fazendo lembrar o que numa competição de BTT
seria chamado de “Rock Garden”¹
mas neste caso não é nenhum “quintal”, é uma cidade inteira de
pedras e pedregulhos soltos!
Chegados
ao topo, lá estavam as Torres del Paine. Imponentes paredes de rocha maciça. Percebe-se porque dão nome ao parque. Percebe-se porque
despertam curiosidade suficiente para levar pessoas a fazer
kilometros e kilometros para as poder contemplar.
Pensar
que já houve uns quantos malucos que as escalaram
até ao cimo...inacreditável. Não me refiro “só” à altura ou
dificuldade das vias de escala mas a todo o conjunto de factores que
influenciam uma ascensão deste tipo num clima patagónico. A
exposição aos elementos, a variabilidade meteorológica, a
distância a que estão os pontos de auxílio... A expressão “não
é para todos” neste caso não faz sentido, é totalmente
enganadora. Não é uma questão de não ser para todos, é mesmo
para muito, muito, muito poucos. E a esses, tiro-lhes o meu chapéu.
Quanto às meninas: estavam sentadinhas ao sol, a comer
tranquilamente! Menos mal, pelo menos agora tínhamos a certeza que
não se tinha passado nada, que estava tudo bem. Basicamente não se
tinham apercebido que íamos estar à espera delas na paragem anterior
e pensaram que como já não faltava muito, tínhamos decidido seguir
caminho até às torres.
***
Em defesa do sexo feminino
As meninas, que aparentemente ficaram para trás, não o fizeram
simplesmente para apreciar a paisagem. As três membras femininas
experienciaram momentos importantes de superação, motivação e
luta. O início do caminho que para muitos poderia ser fácil não o
foi para toda a comitiva feminina, além do mais jogando com o
psicológico: “se isto ainda agora começou e eu estou assim, nunca
vou chegar...” ou “bem tanta gente a passar por mim e eu quase
sem respirar, não vou conseguir”. Pois é, tivemos que lutar
contra o cansaço e a parte psicológica, que muitas vezes multiplica
por 10 as dificuldades reais. Mas lá fomos caminhando, pensando em
pequenos objectivos e a frustração foi, gradualmente, substituída
pela gratificação de ter progredido um pouco mais, de ter chegado
ao cimo de subida. E assim foi, com algumas músicas e jogos lá pelo
meio para animar a malta, até que chegámos ao famoso desvio antes
do último pedaço do caminho até às torres. Nessa altura a moral estava em alta e faltava tão pouco, que nunca nos passou pela
cabeça que os meninos estariam à nossa espera no parque de
campismo. Estávamos motivadas, com energia e lá continuámos o
caminho, encarando desta vez a difícil subida (já descrita acima)
com humor, afinal faltava tão pouco. E foi assim que depois da
árdua subida lá estavam as imponentes torres, mas...nada de
meninos como estávamos à espera. E daí, entre procurar, especular,
sentir-nos culpadas por não termos confirmado se estavam no desvio,
lá chegaram os meninos para juntar-se a nós a admirar tão
imponente lugar.
***
Agora estava na hora de aproveitar a paisagem, de almoçar, de
descansar o corpo, recargar baterias e deixar a alma absorver todo o
esplendor do cenário que nos envolvia.
No
entanto, tínhamos todos a sensação
que as baterias se tinham carregado demais e que agora pesavam o
dobro! É o que dá deitar uns minutinhos ao sol depois de comer,
aparece a moleza!
Nada de grave, não tínhamos pressa e aos poucos, lá nos fomos
mexendo, tirando umas fotos de grupo, aproveitando para ver as torres
de ângulos ligeiramente diferentes e por fim, lá começámos a
descida.
Todos juntos, aos poucos, lá fomos andando e a cada meia-duzia de
passos, olhando para trás. Sim, era verdade, tinhamos estado mesmo
ao lado das torres que agora deixávamos para trás.
Poder-se-ia pensar que ao voltar pelo mesmo caminho que já tinhamos
feito, este perdesse algum do interesse ou da magia. No entanto, o
que se passou foi bem diferente.
Na volta, tivémos possibilidade de ver o caminho de outro ângulo:
experiementar a dureza de alguns pontos de descida que ao subir nem
tinham parecido tão difíceis; sentir que o campo de visão se abria
cada vez mais à medida que iamos saíndo do vale, em vez de ficar
cada vez mais focada num ponto, como tinha acontecido no sentido
contrário; a possibilidade de tirar bem para o fundo da memória
aquela voz interior que nos dizia que não eramos capazes,
mostrando-lhe a cada passo: “Eu pude! Eu já passei por aqui.
Superei-te, superei-me. Fui e estou de volta, com um sorriso nos
lábios.”.
Para uns o caminho tinha valido acima de tudo pela experiência
pessoal, para outros pela possibilidade de ver de perto algo que
pouco tempo antes não passava de um sonho. Mas o mais importante era
que para todos, o caminho tinha ainda mais valor por o termos feito
todos juntos. Cada um com o seu motivo, cada um com as suas forças,
cada um com as suas fraquezas, mas no final (minto, não foi só no
final mas sim ao longo do caminho) cada um com o seu sorriso.
Este caminho sei que não o teriam escolhido sozinhos, não seria
para vocês uma prioridade. Obrigado Catarina, São e Rui por terem
aceite o desafio, por terem enfrentado de frente algo que parecia tão
fora da vossa zona de conforto. Obrigado por acreditarem nas nossas
palavras e por me ajudarem a poder cumprir o sonho de ver de perto as
Torres del Paine.
Saludos y Besos
¹
“Rock Garden” - é o nome dado a determinadas zonas, em percursos
de BTT, que assemelham “quintais” de pedras. São zonas
normalmente com inclinação e com pedras com fartura, o que as
transforma em zonas técnicas e onde as quedas são muitas vezes
bastante espalhafatosas! A foto do lado é do rock
garden do percurso dos Jogos Olímpicos de Londres. Precisamente onde o nosso amigo e
grande atleta olímpico David Rosa, teve uma queda com direito a repetições de vários ângulos e tudo!